Saímos bem cedinho de Lavaur, de novo a Marie nos levando, e pegamos o trem em Toulouse. Três horas depois chegávamos a Nîmes (sim, com esse acento circunflexo no i). Já tinha reservado o hotel e nessa etapa o googlemap foi uma mão na roda para encontrarmos um lugar com preço acessível e perto do centro histórico. Olhava o hotel no booking.com, copiava o endereço físico dele e colava no googlemap, depois digitava um endereço no centro histórico, ou de um monumento, e então via a distância entre os dois pontos e decidia se dava pra encarar (o preço e a distância!). Em Nîmes, o hotel era em frente à estação de trem e ônibus e a 5 minutos de caminhada do Coliseu, ou seja, como dizemos no Vale do Paraíba, “armô o peão”. Deixamos as coisas lá e saímos pra conhecer a cidade.
Nîmes foi fundada pelos romanos no século I, quando eles decidiram estabelecer uma base administrativa na região da Gália. Sendo assim, a cidade precisava ter uma aparência romana, suscitar a presença de Roma mesmo tão distante da capital do Império. Por isso, foram construídos na cidade, e pela região, muitos monumentos, arenas, templos, torres, aquedutos, fórum, etc.
Fomos primeiro à Arena de Nîmes (ou Coliseu, que é um nome mais conhecido). Menor apenas que o Coliseu de Roma, o de Nîmes é mais conservado e ainda hoje é utilizado para touradas.
A entrada é paga e com direito a um audioguia em espanhol. Lá dentro, passeamos por todos os níveis e entramos em todos os acessos. É tudo muito imponente; pedras gigantescas, com o amarelo dos séculos corrompendo sua brancura original, são encaixadas formando corredores de 5 metros de altura, arcos gigantescos e escadarias que nos levam a qualquer recanto da Arena. Nos níveis inferiores as ruínas são predominantes, quase não houve restauração e pouca gente explora o lugar. Dá pra se chegar também até o topo das arquibancadas, andando por sua borda enquanto contempla a cidade de Nîmes lá embaixo. A frustração ficou por conta das arquibancadas de madeira e ferro montadas sobre as originais, de pedra, para o povo assistir às touradas e shows (o Metallica fez um na arena). Foi frustrante por serem elementos do século 21 contaminando um visual de dois mil anos atrás. Bom, o negócio foi abstrair.
Seguimos para a Maison Carrée, ou Fórum Romano, bem no centro de Nîmes. Esse Fórum é um dos monumentos romanos mais bem preservados de toda a Europa; algumas pequenas lacerações em suas colunas são a única degradação visível, dava até pra continuar funcionando como Fórum. Antes de seguirmos em frente, uma merecida caneca de cerveja na praça ao redor do monumento.
De lá continuamos na caminhada até chegar ao Jardim de La Fontaine, que foi o primeiro parque público de toda a Europa. Você entra e é tudo muito bonito e bem cuidado, muitas árvores, jardins, pontezinhas, pista de caminhada, fontes de água, ou seja, tudo o que existe em um típico parque público. Quer dizer, foi essa a impressão que eu tive até que, em meio ao gramado impecável do parque, surgem, como que do nada, as ruínas do Templo de Diana. Á primeira vista, dá até pra pensar que se trata de um cenário cinematográfico, metodicamente construído pra alguma superprodução envolvendo buscas por tesouros antigos e civilizações perdidas. Mas, não! Aquele templo está lá há 2000 anos! Apesar de estar em ruínas, ele ainda conserva suas paredes, colunas e alguns afrescos quase intactos. Achei injustiça ser um monumento tão pouco comentado e indicado
Continuamos parque adentro e subimos uma colina. No alto dela, um dos monumentos que mais me impressionou em toda a viagem: a Torre Magna. Com 32 metros de altura, a Torre, do ano 15 a.C, tem a forma de um octógono e podia ser vista a grandes distâncias, como um aviso, assinalando a presença do Império Romano na região. Não se parece com nenhum dos típicos monumentos romanos (arenas, anfiteatros, templos, etc.); parece mais um monumento a deuses de alguma civilização extinta. Chocou o visual!!! Por dentro dela, foi construída uma escada metálica que leva até o topo, onde se tem a melhor vista de Nîmes.
Antes de voltar para o hotel, praticamos nosso ritual quase que diário em terras européias: passamos em um supermercado e compramos vinho (R$10 a garrafa, bom demais.) e queijo, para levarmos na mochila no passeio do dia seguinte.
Acordamos e pegamos o primeiro ônibus para Avignon (beeeeem mais barato que o trem). Quarenta minutos depois e chegávamos à Cidade dos Papas. Resumo histórico: no século 14 houve uma cisão interna na igreja católica por motivos políticos, o que culminou na existência de dois papados simultâneos durante 80 anos, um em Roma e outro em Avignon. Daí vem a alcunha da cidade e sua maior atração: o Palácio dos Papas. Chegamos em Avignon com sol, mas logo depois começou a chover e esse vai-e-vem continuou por todo o dia (capas de chuva sempre à mão). O centro histórico de Avignon é todo cercado por muralhas, e quanto mais se aproxima do palácio mais as construções e ruas se aproximam do medieval.
O Palácio dos Papas fica em frente a uma grande praça e o visual é de tirar o fôlego. Para entrar precisa pagar (13 EUR), mas é algo absolutamente imperdível, além do que dá direito a um audioguia em português!!! Foram três horas caminhando pelo palácio, curtindo a incrível experiência de ouvir sua história e a história de seus papas no lugar onde tudo aconteceu: salões onde eram recebidos os reis, cozinhas enormes, os cômodos papais, afrescos deslumbrantes de 700 anos atrás, salão de banquetes, capelas, pátios. Foi uma época de muita fartura dentro dos portões do palácio, enquanto a população do lado de fora passava fome.
Quando saímos começou a chover, e nós buscamos refúgio em um prédio também medieval próximo ao palácio, onde os papas às vezes jantavam ou dormiam. Entramos e sentamos no pátio interno do prédio, desanimados com a chuva. Então, como em uma revelação, me lembrei daquilo que jamais poderia ser esquecido: tínhamos uma garrafa de vinho na mochila!! Uma luz iluminou nossas almas cansadas e, sozinhos no pátio, matamos a garrafa, e aí o clima mudou completamente (não lá fora, mas dentro das nossas cabeças!). Foi então que chegou um francês e começou a fazer o mesmo, mas no estilo francês: primeiro tirou uma toalhinha da mochila e colocou sobre o degrau da porta aonde ele iria se sentar, pra não sujar o bumbum; depois tirou outra toalhinha e colocou no colo, pra não sujar a roupitcha. Eu e a Jô acompanhamos todo o ritual com uma curiosidade divertida, já imaginando o quanto íamos zoar com o Nicolas quando voltássemos a Lavaur. Então, a chuva começou a parar e eu aproveitei pra ir ao banheiro antes de ir embora. Dor de barriga das brabas!! Fiquei quase uns 10 minutos no trono, levemente alcoolizado e cantando marchinhas de São Luiz do Paraitinga para passar o tempo. Até que, da porta do banheiro, chega a voz da minha mulher, me avisando que eu tinha entrado no banheiro feminino e que uma mulher estava esperando pra entrar. Respondi que a coisa estava feia e precisava de mais uns minutos, ao que ela me respondeu que o cheiro estava horrível. Não sabíamos, mas a mulher que esperava era brasileira e entendeu toda a nossa conversa. Foi muito engraçado, e levemente constrangedor, quando ela se revelou.
Voltamos a Nîmes e no dia seguinte partimos bem cedo para nossa última etapa na região: Árles. A cidade mistura o romano com o medieval e também foi importante durante a expansão do império. Vale à pena visitar: Termas de Constantino (ruínas de uma casa de banhos romana), Teatro Romano, Coliseu (menor que o de Nîmes mas tão impressionante quanto, com torres de defesa erguidas na época medieval, quando a população da cidade se refugiou em seu interior para se proteger dos inimigos) e um claustro do século 12 (Igreja de São Trófimo, cuja entrada é um portal impressionante, no estilo românico, com diversas esculturas representado o Juízo Final. O claustro é muito legal, mas devia ser enlouquecedora a experiência de viver em um lugar como aquele, no século 12, trancado pra fora do mundo e vigiado por estátuas religiosas com seus olhares eternamente inquisidores). Também existem alguns lugares que foram eternizados por Van Gogh em suas pinturas, quando ele viveu na cidade no século 19.
Para voltarmos de Árles para Nîmes tivemos problemas com os horários de trem e ônibus, por ser domingo, e precisávamos chegar em Nîmes até as 18h00 para pegar o trem de volta a Toulouse. Mas isso nos acabou “desviando” para uma agradável surpresa. Paramos por uma hora em Tarascon, no meio do caminho, aguardando o próximo trem, que nos levaria a Nîmes. Resolvemos dar uma volta pela cidade, pra matar o tempo. Bem no meio da cidade, às margens do rio Ródano, acabamos nos deparando com o Castelo de Tarascon, umas das mais impressionantes fortalezas medievais da França. Bônus da viagem!
Chegamos em Nîmes com tempo suficiente para sentar em um restaurante em frente à estação central e tomar uma cerveja Grimbergen de frutas vermelhas (pelamordedeus, não confundir com o nosso chopp com groselha, porque a cerveja é amarga, com o sabor das frutas de fundo, ou seja, bom para caramba!!!). Acabou que quase perdemos o maldito trem, porque na França eles mudam a plataforma de repente, nos últimos minutos, e se não fosse por minha mania de confirmar o que já foi confirmado, ficaríamos com cara de bunda esperando por um trem que já tinha partido.
Analisando os três dias que passamos naquela região, sem intérpretes, posso afirmar que os franceses foram extremamente solícitos quando precisamos de informações. A maioria, ao ser questionada, dizia saber muito pouco do inglês, mas nenhum recusou-se a tentar ajudar e realmente se esforçavam para isso. No fim, o pouco que sabiam sempre era o suficiente para a informação que precisávamos.
Já de volta a Lavaur, em nosso último dia na França, fomos a Albi, a principal cidade do povo cátaro, que também eram chamados de Albigenses. O cartão-postal de Albi é a gigantesca Catedral, construída no século 13, logo após o massacre do povo cátaro pela Igreja Católica, como uma forma de consolidar sua vitória e seu poder, mostrando à população a quem eles deveriam seguir e dever obediência a partir de então. É a maior catedral de tijolos do mundo. Bom, perseguições e crueldades à parte, o legado histórico está lá.
Por dentro, a Catedral é de tirar o fôlego, o mais belo interior de todas as igrejas visitadas por nós na Europa. Toda pintada com arabescos seculares, seus desenhos preenchem completamente o teto, paredes e colunas.
Ao lado da Catedral ainda há uma espécie de palácio eclesiástico, também gigantesco e de tijolos vermelhos, com um jardim estiloso e um mirante com vista para o rio Tarn e a Ponte Velha (do ano 1035). Há ainda um passeio construído ao redor das muralhas, às margens do rio, perfeito para caminhadas idílicas em meio à paisagem natural/medieval.
Bom, essa foi a parte francesa da viagem. No dia seguinte a Marie nos levaria a Toulouse para pegarmos o avião para o nosso próximo destino: Praga, na República Tcheca.
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