A última fase
da nossa viagem começou com 5 horas de espera no aeroporto de Frankfurt, vindos
de Praga e querendo chegar a Stuttgart (ou Estugarda, como dizem os
portugueses). Quando finalmente chegamos, a Preta, prima da Jô, estava nos
esperando no aeroporto junto com uma amiga também brasileira. Nos próximos dias
conheceríamos ainda outros brasileiros de Stuttgart, nos jantares que as primas
da Jô – Marcinha, Eliane e Preta – organizaram para nos reunir com seus amigos.
As três já vivem a mais de uma década na Alemanha, e estão completamente
adaptadas ao país, com marido, filhos, sogra, sogro, sobrinhos, etc.
Ficamos na
casa da Marcinha, em Göppingen, uma pequena cidade a 20 minutos de carro de
Stuttgart. Assim que chegamos, uma geladeira cheia de cerveja foi escancarada
para que eu me servisse à vontade. Mais um vinho aqui e outro acolá e fui
dormir um sono perfeito.
No dia
seguinte, acordamos cedo para aproveitarmos bem o dia. A idéia era conhecer a
região em um raio de 200 km
ao redor de Göppingen, ao ritmo de uma cidade por dia. Como locomoção, a
Marcinha gentilmente fez questão de emprestar seu carro. Conosco ia também o
Fernando, irmão por afinidade das três, que estava por lá esperando sair o seu
visto de trabalho. Sem perder tempo, saímos em direção à Heidelberg.
Como eu ainda
conhecia pouco da dinâmica do trânsito nas estradas alemãs, pedi para o
Fernando ir levando o carro naquele dia. Chegamos a Heidelberg em pouco mais de
uma hora. Depois de caminhar alguns minutos por uma looooonga rua cercada de
prédios históricos, chegamos finalmente à praça central da cidade.
A composição visual ali era como a de muitas
pequenas cidades históricas da Europa: uma igreja antiga e muito bonita, as
mesas dos restaurantes espalhadas pelas calçadas, e um chafariz secular dando o
toque final. Mas se você olhar para cima, atrás do chafariz, verá , no alto de
uma colina, a maior atração da cidade: o castelo
Decidimos não usar o funicular e aproveitarmos
para gastar mais algumas calorias subindo a colina. São mais de 300 degraus até
a entrada do Castelo, passando por uma pequena floresta salpicada aqui e ali
por fantásticos casarões de pedra. Á medida que se sobe a vista da cidade lá
embaixo vai ficando cada vez mais impressionante. Há vários lugares pelo
castelo de onde se tem fotos de cartão postal com a cidade antiga lá embaixo e
a ponte secular sobre o rio Neckar.
A área externa
do Castelo é enorme, muito grande mesmo. E está tudo semi-destruído, devido a
guerras com a França no séc. 17, quando os canhões dos navios franceses
posicionados no rio Neckar atingiram suas torres e muros. Mas o acesso ao pátio
interno é pago, e ao interior do castelo um pouco mais, mesmo porque havia uma
guia. Decidimos conhecer tudo. Na bilheteria, fiz algumas perguntas em inglês à
atendente, que de repente começou a falar em português comigo. Perguntei como
ela sabia que eu era brasileiro, e ela me respondeu que brasileiro falando
inglês tem um sotaque inconfundível.
Entramos no grande pátio interno e realmente é
muito bonito; a “colagem” arquitetônica, com toques de ruína, é fantástica. Um
vídeo 360º faz você passar por todas as épocas arquitetônicas do castelo, em
sequência.
Então, uma pequena porta se abriu e fomos convocados
para o tour dentro do castelo, que durou + ou – uma hora. A história
interessante é que na idade média, naquela região, a água era muito impura e
contaminada, e muitos consideravam mais seguro beber vinho. Sendo assim, a
maior parte da água que a população consumia vinha do vinho ou da cerveja,
mesmo para as crianças. Inclusive, no castelo há um barril de vinho que é
considerado o maior do mundo (e que nós conhecemos depois). Bem legal também
são as enormes urnas de cerâmica onde eram colocadas as brasas para aquecer os
quartos.
Saímos então para dar um rolê no entorno do
castelo, que é gigantesco e com longos passeios arborizados. O fosso foi
transformado em um enorme jardim e também dá pra descer até lá e caminhar dos
fundos até a frente do castelo. No caminho vimos uma torre bem larga, enorme, que
havia sido partida ao meio pelos canhões, como a casca de um ovo; um pedaço
havia ficado de pé, o outro tombou sobre o fosso.
Depois fomos até a ponte, na cidade, e tiramos
fotos do portal e do castelo visto de lá. Tinha ainda outras trilhas que podiam
ser feitas do outro lado do rio, mas já estava tarde e ainda tínhamos que
encontrar uma cervejaria tradicional para tomar umas brejas. Foi a nossa
despedida de Heildelberg.
No dia seguinte partimos, dessa vez apenas eu e
a Jô, em direção à Estrasburgo, 150
km de distância, na França. Iríamos passar dois dias lá
e mais um dia em Worms, mais ao norte. Mas as coisas não foram bem assim. O
carro quebrou na nossa mão e ficamos apenas quatro horas em Estrasburgo, que é bonita
pra caramba. Os hotéis estavam lotados e onde havia quarto livre o preço estava
fora do nosso orçamento. Bom, pelo menos conseguimos apreciar a Catedral de
Estrasburgo, de longe a mais impressionante de toda a viagem.
Voltamos de
trem para Stuttgart, e naquela noite dormimos na casa da Eliane, em uma região
campestre e de certa altitude, onde neva primeiro quando o inverno chega à
Alemanha.
O dia seguinte foi de descanso. Acordamos mais tarde e
demos uma volta na pitoresca cidadezinha próxima à casa da Eliane, praticamente
um vilarejo, chamado Hohenstein.
Um restaurante
com a placa Bierhaus atraiu irresistivelmente o meu olhar e minhas pernas
começaram a ir praticamente sozinhas naquela direção. Algumas brejas e
salsichas, bate-papo com a dona do restaurante (na Alemanha quase todo mundo
fala inglês), e voltamos para casa, porque mais tarde a Preta faria um jantar
especial na casa dela, com pratos típicos da Alemanha (e que foi muito gostoso,
muita comida e bebida!). Aproveitamos a tarde para já deixar reservado um carro
para o dia seguinte logo pela manhã. Nosso próximo destino: Rothemburg ob der
Tauber.
Agora atrás do
volante de um possaaaante Pólo (completinho, por 33 euros a diária) segui a 200km/h,
pé no talo, pelas famigeradas Autobans, tapetes de asfalto onde placas com o
desenho de um círculo cortado indicam os trechos em que não há limite de
velocidade e a potência do motor é o limite.
Chegamos a Rothemburg e deixamos o carro encostado na
muralha da cidade medieval. Rothemburg é uma cidade de vários ambientes, várias
pequenas praças escondidas entre suas ruas tortuosas. A cidade deve ter umas
cinco entradas, cada uma delas guardada por uma Torre, todas diferentes entre
si, e pode-se dar a volta na cidade caminhando sobre suas muralhas.Passamos pela praça da prefeitura e estava rolando uma feirinha de produtos locais, inclusive antepastos e conservas. Compramos camarão no azeite, antepasto de berinjela e alcachofra recheada, um pote de cada, e mais duas baguetes.
No restaurante
ao lado pegamos uma garrafa de cerveja escura amarga. Atravessamos a cidade e
saímos do outro lado, em um mirante onde se tinha uma vista bem legal dos
campos e vinhedos ao redor das muralhas. Ali fizemos nosso “lanche”.
Depois
seguimos caminhando pelos vinhedos, sempre ladeando as muralhas: tanto fora
quanto dentro delas, tudo é muito bonito e idílico. Rothenburg é muito bem
cuidada, com suas casas impecáveis no estilo enxaimel e flores da estação nas janelas.
Também tem um relógio na praça onde a cada hora acontece um espetáculo com
bonecos. E doces que louvam com hosanas
o nobre pecado da gula (naquela noite passei algumas horas no banheiro por
conta disso).
Voltamos já era noite e quando chegamos à casa
da Marcinha a festa já estava armada. Casais de amigos, brasileiros e alemães,
foram convidados para uma feijoada caprichada. Comemos, bebemos, bebemos e
demos muitas risadas. No meio das conversas, uma sugestão inesperada que se
transformaria no nosso roteiro para o dia seguinte: o Castelo Hohenzollern.
O Castelo fica
no alto de uma colina, a única em uma enorme planície, e por isso ele pode ser
avistado de bem longe, dominando toda a paisagem (são 900 metros de altura da
planície até o topo da colina). O castelo é imponente, com várias torres
pontiagudas e um pátio enorme que rodeia todo o seu perímetro; nesse pátio
estão as estátuas de todos os nobres e reis que o ocuparam ao longo dos
séculos. A planície vista lá de cima é espetacular. Decidimos não fazer a
visita ao interior, pois já iríamos fazer isso em Neuschwanstein.
Na volta, vimos
uma placa na estrada dizendo que a cidade de Rottweill estava a meros 30 km dali. Essa foi a cidade
que desenvolveu a raça dos Rottweiller, que aprendi a gostar e admirar, pois na
casa dos meus pais havia o Joe, cachorro do meu irmão, que deixou muitas
saudades. E foi em homenagem a esse amor que todos nós tivemos pelo Joe que
mudamos o rumo e fomos até lá. De lembrança para o meu irmão, eu trouxe uma
foto da estátua na praça central da cidade, sob a qual está escrito “O
Rottweiller”.
O dia seguinte
amanheceu beeeem frio, com uma chuva fininha que “ajudava” ainda mais. Dessa
vez foram conosco a Marcinha e o “figura” do Davi, seu filho de cinco anos. Com
todos devidamente encapotados, saímos rumo ao Castelo de Neuschwanstein.
Conhecido
também, no linguajar turístico, como o Castelo da Bela Adormecida (Walt Disney baseou-se
nele para construir o castelo que está na Disneylândia), o Castelo de
Neuschwanstein excede em muito a essa referência, que é puramente comercial e
só serve para transformá-lo em uma Atração turística com “A” maiúsculo (é um
dos mais populares destinos turísticos europeus).
Neuschwanstein
foi o castelo dos sonhos de um rei louco, Luis II da Baviera, mas também sua
prisão e seu túmulo. Desde a infância encantado com as sagas e heróis da época
medieval, Luis II resolveu ter seu próprio castelo medieval, em pleno século
XIX. E ali ele viveu seu sonho de contos de fadas até ser encontrado morto,
após perder o trono por ter sido considerado demente.
Entramos no
castelo (grupos e horários pré-agendados) no exato instante em que a chuva
começou a apertar. No grupo havia umas quinze pessoas, sendo que, curiosamente,
um casal fez toda a visita vestindo roupas da época, alugadas no próprio local.
No interior do castelo, as paredes de todas as salas, quartos e salões são
quase que inteiramente cobertas por impressionantes desenhos hiperrealistas baseados
nas lendas medievais germânicas. Pena não poder tirar fotos, porque é tudo
muito incrível.
Saímos do tour e fomos caminhando até a ponte
Marienbruck, onde se tem o visual de cartão postal do castelo.
A chuva havia
parado e a natureza dado o seu toque de mágica: com o frio intenso, a água já caiu sob a forma
de neve nas montanhas mais altas, cobrindo os picos como um manto, e as árvores
próximas a eles como açúcar de confeiteiro. O visual ficou realmente
impressionante, e nós continuamos na estrada rumo a Áustria, onde as montanhas
dos Alpes Austríacos também estavam cobertas de neve. Plus da viagem.
Em nosso último dia na Alemanha (e na Europa),
fomos conhecer Stuttgart, o que foi bem rápido, porque é uma cidade grande e
não tem muito pra ser visto. Depois, fomos até Ulm (a pronúncia certa desse
nome é um exercício de contorcionismo pra língua), visitar a igreja mais alta
do mundo (163 metros).
Por último, a última refeição: um delicioso joelho de porco, todo pururuca.
À noite
pegamos o que sobrou de dinheiro, em “cash”, e fizemos uma “compra do mês” na
Alemanha: vinhos, chocolates, embutidos, condimentos, enlatados, o foco era
tudo aquilo que não se achava no Brasil. Como o limite de peso são duas malas
de 32kg por pessoa, fizemos a festa (hoje, à essa altura do campeonato, já foi
tudo devidamente degustado e apreciado).
Aqui termina o
relato dessa viagem à Europa, que foi tão especial pra gente. Na verdade,
somente poucos dias depois, já no Brasil, foi que caiu a ficha em relação à
real dimensão da viagem que havíamos feito. Foi quando também já começamos a
sentir muitas saudades. . .
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