The Glacier
On the Glacier
coice no cérebro
sexta-feira, 27 de outubro de 2017
quinta-feira, 24 de julho de 2014
O SEGURO
Ele foi direto pra sua casa depois do trabalho, como
de costume. Abriu a porta devagar e entrou, fechando-a lentamente, como se o
peso dela fosse muito maior que suas forças e motivos. Com o mundo trancado
para o lado de fora, ele experimentou, como todos os dias, o silêncio e o vazio
de sua casa e de sua vida. Apenas o eco respondia à sua pisada firme no piso de
taco. Apenas a brisa que entrava pela janela fazia movimento dentro da casa.
Rapidamente ele ligou a TV, a única voz “humana” além da dele próprio. Pronto,
se sentia um pouco melhor. Agora precisava se arrumar. Tirar do armário uma roupa
que o faria parecer menos desimportante.
Ele passava o dia isolado, trabalhando dentro de uma
minúscula cabine, que funcionava como guichê da companhia ferroviária. Nos
horários do café e do almoço ele continuava isolado, já que não tinha muito traquejo
social, muito menos daquele tipo que a cidade grande exigia, e sua natureza
arredia o rotulava ainda mais. A família agora se resumia apenas a rostos
sorridentes em seus sonhos, distantes como estavam, espalhados pelos rincões do
Brasil. Amigos do tipo que se compartilha emoções ele não tinha nenhum, ninguém
que lhe provesse compreensão ou simples ouvidos a escutar-lhe os sonhos ou
lamentos. E assim eram os seus dias já há quatro anos, quando chegou à grande
cidade, vindo de um interior miserável e decadente. Dolorosamente ele tinha
consciência de sua própria invisibilidade, de nada seu interessar a ninguém.
A solidão trazia-lhe ainda outra companheira inseparável:
a morte. Não que morreria de solidão, mas aquele estado de espírito parecia
atrair tal inquilino indesejável para dentro de sua mente, envenenando-a com
raciocínios de perda e esquecimento. E a possibilidade da morte instantânea e
violenta em qualquer veia podre daquela grande cidade era o toque final em um
estado de espírito que já há anos se desintegrava em medo e solidão. Sendo
assim, o seguro de vida, pago com os bicos que ele fazia aos finais de semana, o
perpetuaria ao trazer um auxílio redentor à sua família quando o provável
finalmente se manifestasse.
Chegou à seguradora e foi recebido com um sorriso
radiante, um bom dia, e um vigoroso aperto de mão. Devolveu com um leve esgar
desconfiado, o máximo que conseguia; não estava acostumado a sorrisos
radiantes. Na maioria das vezes não se é recebido dessa maneira em bares e
lojas de terceira categoria.
Tudo lhe foi perguntado. O questionário era enorme.
Doenças, históricos familiares, cirurgias, tudo isso entremeado por uma
conversa agradável sobre a vida, a família e o país. E sempre o sorriso
radiante. Nem se lembrava da última vez que tinha recebido atenção daquele
tipo, com aquela intensidade. Sem perceber, atravessou com inesperada ansiedade
aquela porta, súbita e momentaneamente aberta no deserto imutável de sua vida
invisível. Sentiu-se mais à vontade e timidamente começou a falar sobre a
família, agora devolvendo o sorriso, sua própria voz conduzindo-o pelos
inesquecíveis caminhos de suas mais ricas lembranças. Falou também sobre sua
terra natal, percorrendo na imaginação cada centímetro de suas muitas léguas e
suas muitas histórias. As palavras saíam-lhe aos borbotões e isso o
surpreendia. Estranhava-se na frente de um estranho. Mas sentia-se bem: há
quanto tempo não era abraçado por aquele orgulho, nascido de sua própria história?
Uma leve e breve sensação de felicidade, forjada apenas no frágil tecido dos
pensamentos, o fez ressurgir de seu limbo pessoal.
Terminada a entrevista e assinados os papéis ele foi embora.
Sabia que a atenção que havia lhe sido dada funcionava dentro de um esquema de
troca que não se relacionava sobremaneira com qualquer espécie de interesse
genuíno. Sabia que não haveria tantos sorrisos e gentilezas se não fosse ele um
cliente em potencial, porque era assim que as coisas funcionavam.
Mas também sabia, com uma certeza que o assombrava,
que o fardo, aquele que o oprimia há quatro anos, havia diminuído.
O destino, senhor dos caminhos improváveis, o havia
trazido gentilmente de volta ao grande palco da vida.
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
EM CIMA DO MURO
Ficar em cima
do muro é expressão geralmente usada para definir o comportamento de uma pessoa
que: ou não sabe qual é sua própria opinião, ou, o que é mais freqüente, não
tem coragem de assumir a sua própria opinião. Quem fica em cima do muro quer agradar
aos dois lados, freqüentemente assumindo uma postura que o faz parecer sempre “adequado”,
independentemente do ponto de vista de quem o observa. Não quer desagradar a ninguém.
Não quer ser opor a nenhuma opinião. Quer servir a dois deuses, mesmo que antagônicos
em suas doutrinas, e ser benquisto e abençoado por ambos. Quem fica em cima do
muro muitas vezes abre mão de crenças e certezas que freqüentemente definem sua
própria personalidade, “lavando suas mãos” enquanto se equilibra com destreza
sobre sua estreita borda.
No entanto,
velhos dizeres podem adquirir novos significados e uma abrangência inusitada nesses
tempos modernos, quando a própria lógica das idéias que se defende é subvertida
a todo instante, em uma constante redefinição de valores. O muro talvez não
esteja mais tão bem definido como antes, um poleiro para os que temem em defender
e assumir compromissos ideológicos em geral. Agora ele também funciona como uma espécie
de porto seguro, o galho mais alto de uma árvore, onde uma pessoa consegue refúgio
diante das opiniões reacionárias que atualmente permeiam as discussões
polêmicas, de ambos os lados, principalmente nas redes sociais.
São duas as
situações que podem instigar no cidadão o desejo de correr para cima do muro:
ou nenhuma das opiniões vigentes o representa, ou aquela que o representa é
colocada de uma maneira tão doutrinária e impositiva que o faz recuar em sua
posição, em respeito ao seu próprio direito de escolha e decisão, ainda que ele
próprio possa concordar com a opinião em sua essência. A forma de apresentar a idéia acaba
contaminando o conteúdo que ela carrega, comprometendo até mesmo sua mensagem.
Um discurso promovendo o respeito ao próximo, ou a paz, mas proferido em tom
ditatorial e agressivo, acaba por afastá-lo de seu objetivo primordial e razão
de ser.
Vou ser mais
claro: se eu sou partidário de determinada opinião, eu não preciso que alguém
me a imponha. O caminho que me fez chegar a ela foi de reflexão, e não de
imposição. Ter alguém exigindo, com palavras de ordem, a minha adesão a uma
idéia, fatalmente vai provocar um efeito contrário. Veja bem, a minha opinião sobre
o assunto continuará a mesma, mas me retiro ascendentemente rumo ao muro porque
não consigo dar razão a qualquer idéia apresentada dessa forma impositiva. Uma
idéia assim apresentada não me representa, mesmo que eu concorde com ela. Principalmente
nesse dias atuais, onde todo mundo parece se sentir orgulhoso de ser radical em
suas opiniões, como se isso conferisse força e respeito à sua personalidade, e
autenticidade às suas reivindicações.
Exemplo
concreto: dias desses, em uma rede social, uma pessoa postou que, se alguém
fosse contra a idéia que ele estava defendendo, então que avisasse porque ele
iria excluí-la de seu grupo. Eu até concordava com a opinião por ele defendida,
mas me senti bem incomodado com as coisas postas daquela maneira. E esse tipo
de situação já aconteceu com mais de uma pessoa. E não parece que vai parar.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
É NÓIS NA EUROPA - ALEMANHA - FINAL
A última fase
da nossa viagem começou com 5 horas de espera no aeroporto de Frankfurt, vindos
de Praga e querendo chegar a Stuttgart (ou Estugarda, como dizem os
portugueses). Quando finalmente chegamos, a Preta, prima da Jô, estava nos
esperando no aeroporto junto com uma amiga também brasileira. Nos próximos dias
conheceríamos ainda outros brasileiros de Stuttgart, nos jantares que as primas
da Jô – Marcinha, Eliane e Preta – organizaram para nos reunir com seus amigos.
As três já vivem a mais de uma década na Alemanha, e estão completamente
adaptadas ao país, com marido, filhos, sogra, sogro, sobrinhos, etc.
Ficamos na
casa da Marcinha, em Göppingen, uma pequena cidade a 20 minutos de carro de
Stuttgart. Assim que chegamos, uma geladeira cheia de cerveja foi escancarada
para que eu me servisse à vontade. Mais um vinho aqui e outro acolá e fui
dormir um sono perfeito.
No dia
seguinte, acordamos cedo para aproveitarmos bem o dia. A idéia era conhecer a
região em um raio de 200 km
ao redor de Göppingen, ao ritmo de uma cidade por dia. Como locomoção, a
Marcinha gentilmente fez questão de emprestar seu carro. Conosco ia também o
Fernando, irmão por afinidade das três, que estava por lá esperando sair o seu
visto de trabalho. Sem perder tempo, saímos em direção à Heidelberg.
Como eu ainda
conhecia pouco da dinâmica do trânsito nas estradas alemãs, pedi para o
Fernando ir levando o carro naquele dia. Chegamos a Heidelberg em pouco mais de
uma hora. Depois de caminhar alguns minutos por uma looooonga rua cercada de
prédios históricos, chegamos finalmente à praça central da cidade.
A composição visual ali era como a de muitas
pequenas cidades históricas da Europa: uma igreja antiga e muito bonita, as
mesas dos restaurantes espalhadas pelas calçadas, e um chafariz secular dando o
toque final. Mas se você olhar para cima, atrás do chafariz, verá , no alto de
uma colina, a maior atração da cidade: o castelo
Decidimos não usar o funicular e aproveitarmos
para gastar mais algumas calorias subindo a colina. São mais de 300 degraus até
a entrada do Castelo, passando por uma pequena floresta salpicada aqui e ali
por fantásticos casarões de pedra. Á medida que se sobe a vista da cidade lá
embaixo vai ficando cada vez mais impressionante. Há vários lugares pelo
castelo de onde se tem fotos de cartão postal com a cidade antiga lá embaixo e
a ponte secular sobre o rio Neckar.
A área externa
do Castelo é enorme, muito grande mesmo. E está tudo semi-destruído, devido a
guerras com a França no séc. 17, quando os canhões dos navios franceses
posicionados no rio Neckar atingiram suas torres e muros. Mas o acesso ao pátio
interno é pago, e ao interior do castelo um pouco mais, mesmo porque havia uma
guia. Decidimos conhecer tudo. Na bilheteria, fiz algumas perguntas em inglês à
atendente, que de repente começou a falar em português comigo. Perguntei como
ela sabia que eu era brasileiro, e ela me respondeu que brasileiro falando
inglês tem um sotaque inconfundível.
Entramos no grande pátio interno e realmente é
muito bonito; a “colagem” arquitetônica, com toques de ruína, é fantástica. Um
vídeo 360º faz você passar por todas as épocas arquitetônicas do castelo, em
sequência.
Então, uma pequena porta se abriu e fomos convocados
para o tour dentro do castelo, que durou + ou – uma hora. A história
interessante é que na idade média, naquela região, a água era muito impura e
contaminada, e muitos consideravam mais seguro beber vinho. Sendo assim, a
maior parte da água que a população consumia vinha do vinho ou da cerveja,
mesmo para as crianças. Inclusive, no castelo há um barril de vinho que é
considerado o maior do mundo (e que nós conhecemos depois). Bem legal também
são as enormes urnas de cerâmica onde eram colocadas as brasas para aquecer os
quartos.
Saímos então para dar um rolê no entorno do
castelo, que é gigantesco e com longos passeios arborizados. O fosso foi
transformado em um enorme jardim e também dá pra descer até lá e caminhar dos
fundos até a frente do castelo. No caminho vimos uma torre bem larga, enorme, que
havia sido partida ao meio pelos canhões, como a casca de um ovo; um pedaço
havia ficado de pé, o outro tombou sobre o fosso.
Depois fomos até a ponte, na cidade, e tiramos
fotos do portal e do castelo visto de lá. Tinha ainda outras trilhas que podiam
ser feitas do outro lado do rio, mas já estava tarde e ainda tínhamos que
encontrar uma cervejaria tradicional para tomar umas brejas. Foi a nossa
despedida de Heildelberg.
No dia seguinte partimos, dessa vez apenas eu e
a Jô, em direção à Estrasburgo, 150
km de distância, na França. Iríamos passar dois dias lá
e mais um dia em Worms, mais ao norte. Mas as coisas não foram bem assim. O
carro quebrou na nossa mão e ficamos apenas quatro horas em Estrasburgo, que é bonita
pra caramba. Os hotéis estavam lotados e onde havia quarto livre o preço estava
fora do nosso orçamento. Bom, pelo menos conseguimos apreciar a Catedral de
Estrasburgo, de longe a mais impressionante de toda a viagem.
Voltamos de
trem para Stuttgart, e naquela noite dormimos na casa da Eliane, em uma região
campestre e de certa altitude, onde neva primeiro quando o inverno chega à
Alemanha.
O dia seguinte foi de descanso. Acordamos mais tarde e
demos uma volta na pitoresca cidadezinha próxima à casa da Eliane, praticamente
um vilarejo, chamado Hohenstein.
Um restaurante
com a placa Bierhaus atraiu irresistivelmente o meu olhar e minhas pernas
começaram a ir praticamente sozinhas naquela direção. Algumas brejas e
salsichas, bate-papo com a dona do restaurante (na Alemanha quase todo mundo
fala inglês), e voltamos para casa, porque mais tarde a Preta faria um jantar
especial na casa dela, com pratos típicos da Alemanha (e que foi muito gostoso,
muita comida e bebida!). Aproveitamos a tarde para já deixar reservado um carro
para o dia seguinte logo pela manhã. Nosso próximo destino: Rothemburg ob der
Tauber.
Agora atrás do
volante de um possaaaante Pólo (completinho, por 33 euros a diária) segui a 200km/h,
pé no talo, pelas famigeradas Autobans, tapetes de asfalto onde placas com o
desenho de um círculo cortado indicam os trechos em que não há limite de
velocidade e a potência do motor é o limite.
Chegamos a Rothemburg e deixamos o carro encostado na
muralha da cidade medieval. Rothemburg é uma cidade de vários ambientes, várias
pequenas praças escondidas entre suas ruas tortuosas. A cidade deve ter umas
cinco entradas, cada uma delas guardada por uma Torre, todas diferentes entre
si, e pode-se dar a volta na cidade caminhando sobre suas muralhas.Passamos pela praça da prefeitura e estava rolando uma feirinha de produtos locais, inclusive antepastos e conservas. Compramos camarão no azeite, antepasto de berinjela e alcachofra recheada, um pote de cada, e mais duas baguetes.
No restaurante
ao lado pegamos uma garrafa de cerveja escura amarga. Atravessamos a cidade e
saímos do outro lado, em um mirante onde se tinha uma vista bem legal dos
campos e vinhedos ao redor das muralhas. Ali fizemos nosso “lanche”.
Depois
seguimos caminhando pelos vinhedos, sempre ladeando as muralhas: tanto fora
quanto dentro delas, tudo é muito bonito e idílico. Rothenburg é muito bem
cuidada, com suas casas impecáveis no estilo enxaimel e flores da estação nas janelas.
Também tem um relógio na praça onde a cada hora acontece um espetáculo com
bonecos. E doces que louvam com hosanas
o nobre pecado da gula (naquela noite passei algumas horas no banheiro por
conta disso).
Voltamos já era noite e quando chegamos à casa
da Marcinha a festa já estava armada. Casais de amigos, brasileiros e alemães,
foram convidados para uma feijoada caprichada. Comemos, bebemos, bebemos e
demos muitas risadas. No meio das conversas, uma sugestão inesperada que se
transformaria no nosso roteiro para o dia seguinte: o Castelo Hohenzollern.
O Castelo fica
no alto de uma colina, a única em uma enorme planície, e por isso ele pode ser
avistado de bem longe, dominando toda a paisagem (são 900 metros de altura da
planície até o topo da colina). O castelo é imponente, com várias torres
pontiagudas e um pátio enorme que rodeia todo o seu perímetro; nesse pátio
estão as estátuas de todos os nobres e reis que o ocuparam ao longo dos
séculos. A planície vista lá de cima é espetacular. Decidimos não fazer a
visita ao interior, pois já iríamos fazer isso em Neuschwanstein.
Na volta, vimos
uma placa na estrada dizendo que a cidade de Rottweill estava a meros 30 km dali. Essa foi a cidade
que desenvolveu a raça dos Rottweiller, que aprendi a gostar e admirar, pois na
casa dos meus pais havia o Joe, cachorro do meu irmão, que deixou muitas
saudades. E foi em homenagem a esse amor que todos nós tivemos pelo Joe que
mudamos o rumo e fomos até lá. De lembrança para o meu irmão, eu trouxe uma
foto da estátua na praça central da cidade, sob a qual está escrito “O
Rottweiller”.
O dia seguinte
amanheceu beeeem frio, com uma chuva fininha que “ajudava” ainda mais. Dessa
vez foram conosco a Marcinha e o “figura” do Davi, seu filho de cinco anos. Com
todos devidamente encapotados, saímos rumo ao Castelo de Neuschwanstein.
Conhecido
também, no linguajar turístico, como o Castelo da Bela Adormecida (Walt Disney baseou-se
nele para construir o castelo que está na Disneylândia), o Castelo de
Neuschwanstein excede em muito a essa referência, que é puramente comercial e
só serve para transformá-lo em uma Atração turística com “A” maiúsculo (é um
dos mais populares destinos turísticos europeus).
Neuschwanstein
foi o castelo dos sonhos de um rei louco, Luis II da Baviera, mas também sua
prisão e seu túmulo. Desde a infância encantado com as sagas e heróis da época
medieval, Luis II resolveu ter seu próprio castelo medieval, em pleno século
XIX. E ali ele viveu seu sonho de contos de fadas até ser encontrado morto,
após perder o trono por ter sido considerado demente.
Entramos no
castelo (grupos e horários pré-agendados) no exato instante em que a chuva
começou a apertar. No grupo havia umas quinze pessoas, sendo que, curiosamente,
um casal fez toda a visita vestindo roupas da época, alugadas no próprio local.
No interior do castelo, as paredes de todas as salas, quartos e salões são
quase que inteiramente cobertas por impressionantes desenhos hiperrealistas baseados
nas lendas medievais germânicas. Pena não poder tirar fotos, porque é tudo
muito incrível.
Saímos do tour e fomos caminhando até a ponte
Marienbruck, onde se tem o visual de cartão postal do castelo.
A chuva havia
parado e a natureza dado o seu toque de mágica: com o frio intenso, a água já caiu sob a forma
de neve nas montanhas mais altas, cobrindo os picos como um manto, e as árvores
próximas a eles como açúcar de confeiteiro. O visual ficou realmente
impressionante, e nós continuamos na estrada rumo a Áustria, onde as montanhas
dos Alpes Austríacos também estavam cobertas de neve. Plus da viagem.
Em nosso último dia na Alemanha (e na Europa),
fomos conhecer Stuttgart, o que foi bem rápido, porque é uma cidade grande e
não tem muito pra ser visto. Depois, fomos até Ulm (a pronúncia certa desse
nome é um exercício de contorcionismo pra língua), visitar a igreja mais alta
do mundo (163 metros).
Por último, a última refeição: um delicioso joelho de porco, todo pururuca.
À noite
pegamos o que sobrou de dinheiro, em “cash”, e fizemos uma “compra do mês” na
Alemanha: vinhos, chocolates, embutidos, condimentos, enlatados, o foco era
tudo aquilo que não se achava no Brasil. Como o limite de peso são duas malas
de 32kg por pessoa, fizemos a festa (hoje, à essa altura do campeonato, já foi
tudo devidamente degustado e apreciado).
Aqui termina o
relato dessa viagem à Europa, que foi tão especial pra gente. Na verdade,
somente poucos dias depois, já no Brasil, foi que caiu a ficha em relação à
real dimensão da viagem que havíamos feito. Foi quando também já começamos a
sentir muitas saudades. . .
sábado, 4 de maio de 2013
É NÓIS NA EUROPA - PARTE 5 - CESKY KRUMLOV
Quando
decidimos colocar a República Tcheca em nosso roteiro, queríamos, além de
Praga, aproveitar a estadia para conhecer alguma outra cidade na região. Sem
idéias sobre qual poderia ser esse outro destino, busquei no Mochileiros.com
alguma dica que pudesse “iluminar” nosso roteiro. Foi assim que chegamos à
Cesky Krumlov, cidade sobre a qual nunca tínhamos ouvido falar, mas cuja
descrição nos fez ter certeza de que aquele era um lugar onde valeria à pena ir.
E ainda fomos além: diferentemente da maioria dos turistas, que geralmente fazem
um “bate e volta” de Praga a Cesky Krumlov no mesmo dia, resolvemos passar uma
noite lá e só voltar no fim do dia seguinte. Foi a melhor coisa que fizemos.
Sendo assim,
comprei a passagem de ônibus aqui mesmo no Brasil, e levei comigo apenas o
comprovante impresso. Já em Praga, na noite anterior à viagem, o gerente do
hotel nos explicou como deveríamos fazer para chegar até a estação de ônibus: fácil,
duas linhas de metrô e já estaríamos lá. Levantamos da cama às cinco e meia da
manhã, para não corrermos nenhum risco, já que o ônibus sairia às sete da
estação. Como voltaríamos depois à Praga e ficaríamos mais um dia no mesmo
hotel, deixamos nossas malas pesadas lá e fomos apenas com as mochilas menores.
Pra quem não está de carro, esses arranjos na logística são muito importantes
para tornar a viagem menos cansativa e, é claro, mais leve e divertida.
Chegamos à
estação de ônibus em Praga e o dia ainda estava escuro. A estação, vazia. Pra
não perder o costume, confirmei umas três vezes, com motoristas escolhidos
aleatoriamente, se o ônibus ainda não tinha saído. Então começou a chegar mais
gente e, com poucos minutos de atraso, pegamos a estrada rumo a Cesky Krumlov. O
ônibus ia quase lotado, mas bastante confortável e com um excelente serviço de
bordo, algo um tanto quanto inesperado para uma viagem de apenas três horas.
Chegamos por
volta das 10 da manhã e fomos direto para a Pension Adalbert (cinco minutos de
caminhada), onde havíamos feito reserva. A pousada (ou pension . . .) fica bem
no centro histórico, numa viela estreita, em um prédio do século 15. Ficamos
muito satisfeitos com a escolha, já que o quarto era bastante confortável e com
vista para o Castelo, sem falar no farto café da manhã servido no porão todo estilizado
(a dona era de Cingapura, então tinha algumas coisas estranhas para um desjejum,
como, por exemplo, pepino).
Deixamos nossas mochilas lá e saímos pra dar um rolê
perscrutativo, sem se preocupar com roteiro ou qualquer coisa, apenas caminhar
sem destino. Na verdade, Cesky Krumlov tem duas atrações: uma é o castelo, que
domina toda a paisagem urbana do alto de uma colina, bem no centro da cidade. A
outra atração é a própria cidade, que parece saída de um conto de fadas.
Juntam-se as duas e você tem dois dias repletos de pequenos e grandes prazeres.
Por que Cesky
Krumlov parece uma cidade de conto de fadas? Porque é pequena, com vielas
estreitas e charmosas, e seculares casinhas coloridas de telhados impecáveis. Também
porque tem um sinuoso riozinho de corredeiras que corta toda a cidade, cujo
murmúrio das águas embala carinhosa e continuamente as caminhadas ao longo de
suas margens. Além disso, é cercada por florestas que, no outono, acrescentam à
já extraordinária paleta de cores da paisagem incríveis tons de dourado e
vermelho. E, é claro, porque tem um castelo bem no centro, com uma torre incrível
em estilo oriental e jardins perfeitos a perder de vista. Talvez por tudo isso,
foi tombada como patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO. Mas também,
contrariamente a tudo isso, Cesky Krumlov foi a cidade escolhida para as filmagens
do filme de terror “O Albergue”.
As ruas estavam bem movimentadas, já que Cesky
Krumlov é bastante procurada por europeus e asiáticos. Resolvemos então conhecer
o castelo. Pagamos e fomos primeiro subir na Torre. E por falar em Torre, acho
que subimos umas quinze em toda a viagem pela Europa. Muitas com mais de 300
degraus. Queima calórica muito bem vinda haja vista a contínua ingestão de
delícias gastronômicas (naquele momento tinha acabado de comer um doção nervoso!). Mas a vista da cidade
lá de cima compensou o esforço.
E eu já ia descendo quando notei um ajuntamento
repentino de pessoas na ponte sobre o fosso do castelo, lá embaixo. Rapidamente
eu entendi o que acontecia. Algo que eu tinha até esquecido. Caminhando
preguiçosamente pelo fosso, os guardiões do castelo se exibiam para os
turistas: dois enormes ursos pardos. Uma das atrações do lugar, os animais vivem
no fosso do castelo, uma área grande que se estende pelos dois lados sob a
ponte. O local é arborizado, limpo e tem dois laguinhos de pedra, com direito
até à queda dágua. Dá pra ver claramente que os animais são muito bem tratados.
A “casa” deles fica debaixo da ponte e, para tirá-los de lá (afinal, o público
quer vê-los!!), os tratadores colocam as frutas e verduras (nunca poderia
imaginar que eles fossem vegetarianos) longe da “toca”. O público vibra, as
crianças deliram, e os ursos . . . bom, eles não estão nem aí.
Depois entramos na área interna do castelo. Entre
vestuários, armas, móveis e objetos seculares, chamou a nossa atenção o esqueleto
de um santo, totalmente coberto de jóias e depositado em uma urna transparente
(solenemente macabro!). Não lembro o nome, mas devia ser algum santo regional,
já que eu nunca tinha ouvido falar nele.
Depois fomos aos porões do castelo, um labirinto
de cavernas enormes onde, na época medieval, eram guardados os barris de vinho
e, atualmente, abriga uma perturbadora exposição de um artista local (Miroslav
Parel). Por sinal, em toda a cidade há obras desse cara. Por último, passeamos
pelos extensos jardins do castelo, até a parte onde ele começa a se transformar
em uma floresta sinistra (olha “O Albergue” aí!).
Comentando com
a dona do hotel sobre as cervejas da Rep. Tcheca, ouvimos dela que havia uma
marca de cerveja, a Eggenberg, que era produzida em Krumlov, e apenas lá, desde
1560. O compromisso batia novamente à minha porta. Agora tínhamos uma missão na
cidade. Sair em busca da famigerada Eggenberg.
Metemo-nos
pelas ruazinhas pitorescas de Krumlov com aquela sensação de que a qualquer
momento o Pinocchio surgiria de dentro de uma daquelas casinhas, fugindo do
velho Gepeto. Ou ouviríamos a melodia hipnótica do flautista de Hamelin
invadindo a cidade. Ou então trombaríamos com um cavaleiro saindo
apressadamente em direção à floresta, na busca pelo coração da Branca de Neve.
Enquanto isso, Rapunzel aguardaria por seu amado, trancada na torre da igreja.
Em nossa demanda, atravessamos toda a cidadezinha, mas
só achávamos a cerveja
Mas tínhamos
uma missão a cumprir e não podíamos parar por ali. Foi quando então olhamos
para o outro lado da ponte e vimos um boteco, que parecia ser o “pé-sujo” da
cidade (e era!). Em uma de suas paredes, pendurada, uma placa da cerveja
Eggenberg.
Finalmente
havíamos encontrado o Graal.
E ali, no “pé-sujo”, desfrutamos do sabor secular da
cerveja, devidamente acompanhada por um mix de salsichas tchecas.
Ainda estava
ao meio da tarde quando nos sentamos em um dos restaurantes às margens do rio;
todos eles colocam suas mesas no gramado, em frente ao castelo, o que cria um
ambiente de puro deleite. Comemos faisão e coelho, regados à canecas da
Budweiser Budvar (segundo os tchecos, essa é a Budweiser original, questão que
está em litígio com os americanos há mais de 40 anos). Depois de um tempo sentado
ali, já com um bobo sorriso alcoólico nos lábios, começou a ventar. E o vento
arrancava das árvores ao redor suas folhas maduras, ou seja, as vermelhas e
douradas, que caiam em grande número e eram lançadas sobre o rio enquanto o sol
as atingia em cheio, fazendo-as todas brilharem juntas, piscando no ar como
luzes de uma árvore de natal etérea. Olhando pra tudo aquilo fiquei em uma
espécie de êxtase: as folhas soltas brincando pelo ar, brilhando às centenas ao
refletirem o sol, o murmúrio das corredeiras a poucos passos da nossa mesa, o
castelo imponente do outro lado do rio, a paisagem ao redor que poderia
inspirar dezenas de aquarelas. Nesse momento, eu simplesmente estiquei as
pernas, cruzei as mãos atrás da cabeça como apoio, relaxei, e disse, para mim
mesmo:
- Êêêêê
vidããããão!!!!
Voltamos pro
hotel e demos uma descansada. À noite, saímos pra jantar (caramba, como
conseguimos comer tanto!). Em
Cesky Krumlov há três tavernas medievais, instaladas no
subsolo de prédios antigos, em grandes porões de pedra com várias salas
interligadas, todas ambientadas e decoradas para fazê-lo sentir-se na Idade
Média. Em uma delas, na praça central da cidade, você precisa entrar no saguão
de um hotel para conseguir acessá-la, mas não há nada indicando o caminho.
Então, em um canto totalmente escondido, você descobre uma porta muita antiga,
de madeira, por onde eu, que tenho 1,85m, tive dificuldades para passar. A
porta leva você a uma escada em caracol, tão estreita que chega a dar
claustrofobia, e que desce vertiginosos 8 metros por uma cavidade
rochosa. Então você chega à taverna. Conhecemos o lugar e, pra não perder a
viagem, carcamos mais uma breja. Em outra, onde jantamos, as carnes são
preparadas à maneira medieval, com o fogo no centro do salão, sob um duto
rochoso por onde saía a fumaça. Nesse lugar ímpar, que recria em detalhes a atmosfera
do mundo medieval, nós comemos muito, bebemos idem, e ainda teve sobremesa. A
conta? O equivalente a R$65,00!!
No dia
seguinte o tempo amanheceu chuvoso. Fomos até um dos restaurantes à beira do
rio e pedimos ao garçon alguma bebida pra esquentar. Ele sugeriu a medovina,
uma bebida típica feita à base de mel fermentado e água. Perguntei se a bebida
não era o famoso e milenar hidromel, dos contos e lendas medievais, das
histórias de fantasia, da mitologia grega, também conhecido como “néctar dos
deuses”. Ele disse que sim e eu então pedi uma caneca, que chegou fumegante,
trazendo em seu interior um dos sabores alcoólicos mais antigos da humanidade.
Assim, debaixo de uma garoa fina, na cidade medieval de Cesky Krumlov, nós provamos
o néctar dos deuses. E eu pedi bis.
A Jô depois
quis dar um rolê pelas lojinhas, onde muitas já se enfeitavam com a decoração
de natal, vendendo enfeites e badulaques em geral sobre o tema. Deixei-a em
frente a uma delas, com os olhos brilhando diante de uma vitrine que parecia
ter sido decorada pelos próprios duendes do Papai Noel. Aproveitei então para conhecer
um lugar que eu já sabia que não a interessaria.
O Museu da Tortura de Cesky Krumlov também fica no
subsolo de um prédio antigo. Você desce por uma escadaria de pedra e chega a
uma série de salas rochosas escuras e úmidas, interligadas sequencialmente por
corredores estreitos. Nessas salas ficam expostos diversos instrumentos de
tortura, bem como cenários tétricos que revivem cenas de tortura, montadas com
bonecos de cera bastante realistas. Há também folhetos explicativos que contam os
detalhes de cada tipo de tortura e diversas histórias sobre essa prática na
época medieval. Mas o mais arrepiante nessa atmosfera de terror intencionalmente
criada são os sons. Durante todo o circuito (são quase dez salas interligadas)
há um sistema de som funcionando. Desse sistema saem constantemente dois tipos
de som: água pingando e . . . gritos. Mas não gritos chinfrins, de susto, ou de
alguém que acabou dar uma topada no dedão. Não, não! Gritos que só podem nascer
na mais extrema dor, gritos de total desespero. Gritos assombrados, que pareciam
ecoar vindos do além. Gritos alimentados pelas mais cruéis torturas. Como estava
um dia frio e chuvoso, não havia mais ninguém ali; caminhei solitário por mais
de 30 minutos naquele ambiente escuro, subterrâneo e perturbador. Uma das
experiências mais incríveis de toda a viagem.
Antes de pegar
o ônibus de volta a Praga, uma última degustação: vinho quente. Completamente diferente
do nosso, o vinho em questão é seco (ou seja, não adocicado) e vem com um
envelope de açúcar (pra quebrar o amargo, sem, no entanto, transformar em um
melaço) e um sachê de ervas para infusão. A única coisa em comum com o nosso é
que é quente. Entramos no ônibus com o último sabor de Cesky Krumlov ainda nos
lábios.
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