quarta-feira, 9 de maio de 2012

Dependência Química - Conto


Em uma de suas mãos ele segurava uma flor. Com a outra, vagarosamente, ele tirava a penúltima pétala, deixando-a cair no chão junto às outras
João era passional ao extremo. Entrava fundo em qualquer relação, destilava paixão pelos poros. Ficava incompleto quando não se sentia apaixonado, sentia falta mesmo da dor da paixão. Era seu vício, quando produzia sua substância mais quintessenciada. Quando estava apaixonado, enxergava o mundo com uma leve sombra vermelho-fogo; era essa a cor que lhe invadia a mente, em abundantes interações sinestésicas.  As paixões sempre o consumiam, em um êxtase desavergonhado.

O fim de um relacionamento, para ele, não era o fim; era, sim, o começo de uma nova corrente de sentimentos. Não ser correspondido o fazia sofrer, mas também o deixava encantado. Era quando ele escrevia poemas, interiorizava profundamente cada pingo de sentimento, se esmerava em compor canções. Sentir-se abandonado era sentir-se vivo. Chegava mesmo a desejar que o abandonassem, só para poder se entregar a tais sentimentos, para ele tão nobres.
Mas nem só de paixões clássicas ele vivia. Gostava de variações sobre esse tema. Por exemplo, em duas ocasiões ele resolveu se apaixonar por duas mulheres ao mesmo tempo. Ingenuamente, pensou que talvez não tivesse espaço no coração para duas paixões, ao que se verificou o contrário, talvez tivesse para três. Comedido como era contentou-se com duas, duas vezes: uma vez deixando que soubessem uma da outra e outra não. Isso porque quando sabiam, terminavam o relacionamento com raiva e rancor, e ele gostava daquela variação, de sentir a dor da paixão como um canalha.
Mas, ás vezes, era ele quem punha fim ao romance, intencionalmente, criando condições para o surgimento daquele estado de espírito que ele tanto desejava. Quando isso acontecia, as qualidades da mulher por ele abandonada, agora fora de seu alcance, de uma hora pra outra eram abrilhantadas por uma luz que quase o cegava, o que transformava sua ausência em algo ainda mais sentido, entranhado, digno de uma contemplação ardente.

            Mas quando o romance era terminado pela mulher, ah, aí sim, era quando ele sofria de verdade! O coração não parava quieto, e ele olhava repetidamente para todas as fotos com a mulher amada, lembrando com intensidade de cada bom momento. Havia uma mistura estranha de tristeza, pelo término não desejado do romance, e alegria, por antever o longo caminho da paixão não correspondida que havia à sua frente. E por esse caminho ele trilharia, se fartando da dor da paixão. Nem ele entendia bem esse estado de coisas, mas aquilo, de alguma maneira, o alimentava, deixava-o mais vivo.
            Agora, ele olhava para a última pétala antes dela se depositar no chão com as outras.
- Bem me quer! – disse ele
            E lá ia ele mais uma vez, se apaixonar de novo . . .

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