quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

É NÓIS NA EUROPA!! PARTE 1

Cinco anos foi mais ou menos o tempo que esperamos para conseguir realizar essa viagem. A Jô tinha sérios problemas para conseguir tirar 30 dias de férias e esse era um ponto inegociável nos nossos planos: a Europa merecia, e exigia, de 20 a 30 dias. Nesse entremeio fizemos muitas viagens, de no máximo dez dias, pelo Brasil e pela América do Sul. Mas a viagem pra Europa nunca saiu da nossa cabeça, pelo contrário, todo esse tempo apenas tornou-a ainda mais desejada. Então, eis que a oportunidade se fez carne; sem perder tempo, iniciamos os preparativos.
Decidimos viajar entre setembro e outubro; além de ser baixa temporada (o que, em algumas cidades, não fez tanta diferença, é turismo o ano todo), também é meia estação, nem quente, nem frio.  De qualquer modo, mesmo sendo baixa temporada, vale a regra de que quanto antes as reservas forem feitas, menor será o preço.
Bom, então tínhamos três meses de preparação antes da data da viagem. Optamos por conhecer três regiões, de três países; a tentação de “entupir” nossa viagem visitando mais países foi posta de lado à medida que percebíamos que corríamos o risco de passar mais tempo se “transportando” pra lá e pra cá do que curtindo os lugares, que também não seriam devidamente “curtidos” já que sempre teríamos horários e prazos curtos a cumprir. E isso não é programa pra quem está de férias! Com dor no coração, tiramos Grã-Bretanha e Itália da viagem.
Olha, vou contar uma coisa, os três meses demoraram pra passar, viu! O lado bom é que a viagem fica bem planejada, dá tempo de estudar todas as opções e fazer as melhores escolhas. Nesse meio tempo não joguei futebol e fiquei até meio hipocondríaco, tomando alguns remédios preventivamente, pois não queria de maneira nenhuma pôr a viagem em risco com alguma perna quebrada, infecção, inflamação, ou qualquer outra coisa que o valha.
Sobre o itinerário, chegaríamos à Europa pela França, descendo em Toulouse. Dali, chegaríamos a Lavaur, onde ficaríamos hospedados na casa dos pais do Nicolas, um amigo francês já completamente abrasileirado depois de 13 anos de vida em terras tupiniquins. Abro aqui um parêntese para contar uma história que está diretamente ligada a essa viagem.
Eu sempre fui um cara que nunca fez muita questão de viajar, no máximo visitar parentes nos estados mais próximos. Aí então surge o Nicolas. Em nossas conversas etílicas, ele começou a me contar de todas as viagens que já havia feito, principalmente pela América do Sul. Isso, de alguma maneira, me despertou, e, aos poucos, fui percebendo que aquela era uma lacuna na minha vida que precisava ser preenchida. Então, comecei a viajar.
A escolha pela França começou pela vontade de conhecer Carcassone. Somou-se a isso a especial condição de podermos conhecer as cidades da região com dois “guias” de luxo: Marie e Nicolas (que estava lá visitando os pais), irmãos, nascidos e criados em Lavaur, na região dos Médios-Pirineus. Acabou sendo muito melhor do que a gente imaginava.
Chegamos a Toulouse às 17h00, mas já havíamos feito a imigração em Amsterdã. Lá, o oficial começou pedindo pra ver a passagem de volta e depois perguntou se tínhamos onde ficar (no que eu apresentei TODAS as reservas). Sem qualquer intenção, perguntou se éramos casados, ao que eu prontamente tirei da minha pastinha uma cópia da nossa certidão de casamento. Ele, estranhando, perguntou o porquê de eu ter levado tantos documentos. Eu respondi: “Eu espero ter comigo qualquer tipo de documento que você me peça”. Dando um sorriso e vendo que não conseguiria me “pegar” de maneira nenhuma, ele carimbou os passaportes e desejou-nos uma boa estadia.
No aeroporto de Toulouse estavam o Nicolas e a Marie nos esperando. Fomos direto para a casa dos pais deles, um lindo sítio na zona rural de Lavaur, uma pequena cidade com uma história quase milenar, sendo um dos berços do povo cátaro. Esse povo antigo foi dizimado cruelmente pela Igreja no século 13, na única cruzada da história direcionada contra um povo também cristão, quando optaram por viver um cristianismo primitivo em detrimento da opulência e sede de poder da Igreja.
Chegando no sítio dos Brien, fomos recebidos como reis: Nicolas informou que a sua mãe, Danielle, tinha feito um menu especial com pratos típicos do sul da França para os dias que passaríamos lá. E assim foi. Pratos dos mais saborosos (tanto para o paladar quanto para os olhos) desfilavam diante de nós, nos deixando em uma espécie de êxtase gastronômico. Entradas, saladas, sobremesas, queijos, carnes, frutos do mar, patês, cogumelos, tudo isso regado a muito vinho e pastis (uma forte bebida típica – 45ºGL - à base de anis. Por ser muito concentrada, você dilui com água gelada, quando a bebida, antes transparente, adquire um aspecto leitoso, como em uma experiência de laboratório de química). Começávamos a jantar às 8 e terminávamos quase 10 da noite. Sabedora do meu desejo de provar novas iguarias, Dona Danielle nos preparou um prato que acabou sendo o ponto alto de todas as surpresas gastronômicas que a viagem nos reservou: os famigerados escargots. “Colhidos” no próprio sítio de nossa anfitriã, esses moluscos gastrópodes terrestres, ou lesmas, ou caracóis, exigem um dia inteiro de preparo. Servidos na própria concha, temperados em uma mistura de manteiga, alho e cebolinha, eles são deliciosos! Nos fartamos e recomendamos a quem quer que queira um dia provar!
Bom, acordamos no dia seguinte e seguimos para o nosso principal objetivo: Carcassone. Antes, paramos para comer outro prato típico francês, o Cassoulet, em Castelnaudary, que orgulhosamente exibe placas pelas ruas outorgando-lhe o título de Capital Nacional do Cassoulet, que é um cozido de feijão branco com carnes e lingüiças diversas. Terminado o delicioso rango, seguimos para Carcassone.
O tempo não estava dos melhores, mas isso contribuía para criar a atmosfera lúgubre e sinistra que se espera de uma cidade medieval. Na verdade, Carcassone é a cidade medieval mais bem preservada de toda a Europa. Toda ela é cercada por duas gigantescas muralhas, separadas por um fosso e salpicadas em toda a extensão da cidadela por torres pontiagudas. Uma terceira muralha cerca o castelo, já na parte interna da cidadela. Passando pelo portão principal você entra pelas ruas labirínticas e já se deslumbra com a paisagem urbana medieval da cidadela (é claro que é necessário abstrair o impacto visual negativo causado pela quantidade de lojinhas e comércios em geral, mas não é nada que estrague a experiência). Carcassone é um local bastante turístico, por isso as ruas centrais ficam “apinhocadas” de gente; mas também é um lugar enorme e as áreas próximas às muralhas externas são um convite a caminhadas praticamente solitárias, desvendando os pormenores da arquitetura medieval do lugar.
As casas e prédios, todos de pedra, tem os mais variados formatos e se encaixam uns nos outros nas mais diferentes formas. O passeio pelo interior do castelo é pago, mas vale à pena porque se conhece a estrutura interna de um lugar construído para um único propósito: defesa. Na bilheteria, o atendente, vendo minha camisa do Brasil, agradeceu em português e sacudiu o punho, quase gritando: “Neymar . . . the best!!” . . .
Bom, voltando ao que interessa, dentro do castelo há também objetos medievais expostos, estátuas, lápides de túmulos antigos e afrescos seculares (sem restauração, do jeito que eu gosto). É possível ainda caminhar sobre as muralhas internas, entrando nas torres e tirando fotos incríveis da cidadela ao redor. 
Por último, entramos na Basílica de Saint-Nazaire e Saint-Celse, construída no século 12. Essa igreja, assim como a maioria das igrejas das cidades medievais, fica “espremida” pelas demais construções ao redor, quase não havendo espaço entre suas paredes e as dos prédios que a circundam, compondo um visual arquitetônico fantástico! A única coisa que não conseguimos ver em Carcassone foi a cidadela iluminada à noite, que dizem ser deslumbrante. E por falar em Carcassone à noite, o Nicolas me contou que, quando era adolescente, ele passou uns dias na casa de um amigo que morava na Carcassone moderna. Sendo “local”, o cara conhecia uma maneira de entrar escondido no Castelo, à noite. Ele classificou a experiência como “inesquecivelmente assustadora”.
Fim do dia e voltamos a Lavaur, onde fomos recebidos pelo aroma inebriante do banquete que estava sendo preparado para aquela noite. E foi quando eu cometi minha primeira gafe em terras européias: na mesa, me servi do vinho antes do anfitrião, no caso o Sr. André, que apenas riu e, dando sequência à tradição, provou o vinho, aprovando-o e então o servindo aos seus convivas.
Que fique registrado que, em todos os passeios que fizemos, a Marie sempre foi a nossa motorista de todas as horas. Praticamente se abstendo dos prazeres do álcool, o que seria impossível para o Nicolas, ela nos levou a todos os lugares em que pretendíamos ir nos Médios-Pirineus. Sendo assim, no dia seguinte partimos cedinho na direção norte.
Cordes sur Ciel é praticamente uma aldeia medieval, construída no alto de uma colina, no século 13, como uma fortificação. A primeira coisa que nos chamou a atenção foi a quase ausência de turistas ( o que foi muito bom!!). Cordes nem de longe tem a fama de Carcassone, e praticamente só encontramos poucos turistas franceses pela cidade. E as ruas vazias ajudam a imaginação a rolar mais solta, a atmosfera secular do lugar se faz presente e você prazerosamente se entrega a ela. Dá pra imaginar cavalos subindo com seus cavaleiros pelos estreitos e íngremes caminhos de pedras, passando sob os muitos portais seculares em forma de arco que conduzem o visitante pelas ruelas da aldeia, subindo até o topo da colina. Tudo é muito bonito, bucólico, e ao mesmo tempo lúgubre, soturno, as lindas cores sombrias das coisas medievais. Vi algumas casinhas que só podiam ser de hobbits. Vi outras que pareciam assombradas. A dica é a mesma de Carcassone: perca-se pelo lugar, maior diversão não há.
Depois de almoçarmos em Cordes (10 euros a refeição, comida gostosa, prato com visual de alta gastronomia, o que, surpreendentemente, não significou pouca comida.), seguimos em direção a Najac, outra cidade fora dos circuitos tradicionais de turismo. Lá, a grande atração são as ruínas de um castelo no alto da cidade, a Fortaleza Real de Najac, que começou a ser construída no século 10. Chegando lá, começamos a caminhada para subir até o castelo, atravessando toda a vila medieval, com suas construções de pedra escurecidas pelos séculos. 
Depois de pagarmos para entrar no castelo (4 euros), subimos por uma rampa que nos levou até uma pequena porta, única entrada para o interior da fortaleza. Por dentro, o castelo não tem teto ou divisões; sobraram as paredes enormes, duas torres, um calabouço (onde foram aprisionados cavaleiros templários, quando da decadência da Ordem religiosa) e restos de grandes escadarias ainda fixados às paredes. Sua destruição foi na verdade uma desconstrução, quando, em guerras futuras, Najac foi atacada e seus habitantes usaram as pedras do castelo para reconstruir partes da cidade. Em uma das torres você sobe por uma escada espiralada até o topo, onde se tem uma vista espetacular da cidade e das florestas ao redor. Quando você desce, na metade do caminho, totalmente escondida, existe uma portinhola, que leva você a uma espécie de corredor secreto, escondido dentro das paredes, que liga aquela torre à torre romana no lado oposto. Pô, andar por uma passagem secreta dentro de um castelo!! Realizei um sonho! Depois descemos até a vila e fomos à Igreja de São João, do século 13, quando os moradores de Najac foram obrigados a construí-la como uma punição por suas crenças cátaras.
Bom, até esse momento as coisas estavam bastante fáceis para nós. Tínhamos “intérpretes” particulares, só passeávamos de carro, refeições dionisíacas todas as noites, e por aí vai. Mas no dia seguinte nós iríamos mais para o sul da França, só eu e a Jô, conhecer as cidades fundadas pelos romanos e suas construções bilenares (ops, essa palavra não existe, mas tá valendo, é o mesmo que milenar, só que o dobro). Próximo destino: Nîmes.

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